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Xô exclusão digital!

Em 31/01/07 07:07. Atualizada em 24/01/12 08:26.
Está quase na hora de o XO, laptop desenvolvido para auxiliar a aprendizagem dos alunos da rede pública do país, chegar à sala de aula.

Xô exclusão digital!

Está quase na hora de o XO, laptop desenvolvido para auxiliar a aprendizagem dos alunos da rede pública do país, chegar à sala de aula. NOVA ESCOLA testou e trouxe as primeiras impressões para você

Débora Didonê 

De perto, parece um brinquedo. O design com um tom de verde vibrante e as diferentes maneiras de abrir, fechar e encaixar (isso mesmo, encaixar!) do laptop XO (leia mais sobre suas especificações técnicas) lembra aqueles pequenos totens que as crianças manipulam até transformar em robôs de desenhos animados. Quando fechado, tem até alcinha para ser carregado como uma maleta. E não deixa de ser, mas beeeeem mais arrojada, se pensarmos no mundo que ela carrega!

O computador possui duas antenas laterais no monitor, que devem ser levantadas para que ele possa ser aberto. Para ligá-lo, há um discreto botão de comando abaixo da tela para a criança acionar. "Os pequenos tiram isso de letra", conta a professora Roseli de Deus Lopes, coordenadora do Núcleo de Aprendizagem, Trabalho e Entretenimento do Laboratório de Sistemas Integráveis da Universidade de São Paulo (USP). Ela já acompanhou um pequeno grupo de crianças que utilizou o aparelho. Roseli faz parte da equipe brasileira de especialistas que cuida dos aparos finais do XO para o início de sua implantação experimental em duas escolas brasileiras - em São Paulo e Porto Alegre, a partir de fevereiro.

NOVA ESCOLA testou
Para que o XO chegue a essas escolas, estão sendo feitas oficinas com cerca de 50 pessoas, entre elas estudiosos de tecnologia e educação, pesquisadores, universitários e professores de escolas públicas, que passam um dia inteiro mexendo no pequeno computador que o Governo Federal pretende distribuir às crianças das escolas públicas brasileiras.

Na oficina de ontem, em São Paulo, a NOVA ESCOLA foi conferir de perto que computador é esse. Ok, abri-lo não foi tão óbvio como apertar o simples botão de um laptop comum, mas passamos dessa fase. No desktop, engana-se quem pensa que vai encontrar os ícones normalmente presentes nas telas do PC ou do Mac. Depois de uma procuradinha, um botão de comando mostra os menus e, entre os ícones de baixo, estão os principais diferenciais da máquina.

A conexão em rede e sem fio entre todos os laptops da sala foi uma das novidades mais interessantes. Por meio dela, os alunos podem se comunicar com uma ferramenta de bate-papo própria, trocar textos e indicar ao colega fontes de pesquisa, por exemplo. Em instantes, o pessoal da oficina, embora estivesse na mesma sala, divertia-se conversando virtualmente com os colegas das outras mesas e brincando de descobrir quem era quem (já que os apelidos de cada um eram os códigos de cada máquina). A webcam embutida também chamou atenção. Ninguém diz, mas um buraquinho localizado no canto superior direito da máquina, ao lado da tela, é uma câmera! Além de ter boa resolução, ela tira fotos e, no futuro, poderá permitir que um aluno seja visualizado por um colega quando estiver com o laptop em casa. Por enquanto, esse e outros dispositivos ainda estão sendo desenvolvidos e testados. "Não criem muita expectativa porque o que estamos usando aqui ainda não está pronto", relembra David Cavallo, pesquisador de novas tecnologias do MIT e um dos desenvolvedores da máquina.

Se as escolas de todo o país recebessem o XO, nem todas teriam de pronto o acesso à internet, para o qual o laptop está "quase" adequado. Segundo os alunos de engenharia da USP, que analisam os programas instalados na máquina, há sites que não foram desenhados para uma tela do tamanho da do XO. Mesmo pequena, ela amplia uma série de textos para melhorar a leitura (o que desconfigura um pouco as páginas, mas não tira ao valor do conteúdo). Recursos de animação e determinadas funcionalidades de correios eletrônicos também não são ainda digeridas pelo laptop, o que não impede as crianças de fazer uma boa pesquisa por meio da rede virtual.

As professoras também testaram
Gláucia Adriana Simões Almeida dá aulas de Arte para turmas de 5a a 8a série e logo já imaginou a formação de uma banda com o software de música do XO. Ele oferece desenhos de inúmeros instrumentos musicais que, ao serem clicados, acionam o respectivo som. "Faltou só um instrumento de percussão", observa. Mas, segundo Cavallo, isso é só o começo. O objetivo, no decorrer das experimentações, é que o aparelho permita que as crianças compreendam a diferença entre uma orquestra sinfônica e uma banda de jazz, ou que percebam os diferentes ritmos do forró, entre outras atividades.

A possibilidade de conexão sem fio encantou a professora Valkiria Venancio, que dá aula no laboratório de informática para alunos de 1a a 4a série. "Tivemos a possibilidade de conversar com apenas uma pessoa, e não com todos da turma", conta. Para ela, que convive com a informatização há cerca de 15 anos, as crianças sentem-se mais estimuladas com aulas que proporcionam o uso da tecnologia. Além de pesquisas na internet, ela planeja atividades de produção de textos, jornais e até de locução com a criançada. Quem sabe o XO ofereça mais essa ferramenta?
 
Quase pronto... E agora?
A partir do próximo mês, mais 200 máquinas doadas pela One Computer Per Child (OLPC), organização sem fins lucrativos que doou cerca de mil máquinas ao Brasil para dar início à sua implantação, devem ser destinadas a professores das escolas paulista e gaúcha. Depois de um treinamento, os alunos das duas instituições devem receber mais 800 protótipos para começar a usá-los na sala de aula e, quem sabe, até fora dela. "Ainda há uma preocupação no Brasil quanto à segurança das máquinas, mas as próprias comunidades podem se organizar para que seus filhos as utilizem em casa", observa a professora Roseli.

Só depois desse período experimental é que poderemos saber se o XO vai ser uma realidade entre os brasileiros. "Não tem nada definido", afirma o assessor especial da Presidência da República José Luiz Maio de Aquino, que acompanhou a oficina. "Queremos começar valorizando o professor e dando mais recursos a ele", completa. Para os especialistas presentes, o sucesso da implantação do XO depende não só de investimento, mas de uma mudança na concepção do ensino. "É preciso ter um novo pensamento sobre aprendizagem, o papel da escola, a formação do professor", diz o professor Cavallo. O envolvimento de toda a equipe pedagógica com as atividades dos alunos, a imersão nas novas possibilidades de pesquisa feitas na internet, o uso de atividades em rede, além da estrutura necessária para que a escola receba equipamentos como o XO (cabeamento, tomadas de eletricidade e preparo dos professores) também foram apontados como indispensáveis.

A professora Glaucia elogiou a iniciativa dos cientistas, mas levou à tona aquela velha preocupação de quem está no dia-a-dia das escolas: "E se isso não passar de mais um projeto?" Ainda não há como saber, mas de uma coisa já se tem certeza. Não foi à toa que um grupo afinadíssimo com a importância da introdução da tecnologia no mundo do ensino - que inclui pesquisadores de uma das mais importantes universidades do mundo na área, como a MIT, além da USP, Unicamp, PUC-SP, entre outras do Nordeste ao Sul do país - uniu-se para implantar algo tão novo num país grandioso como o Brasil. "Aqui existe o problema da desigualdade social, mas no que diz respeito ao conhecimento, o Brasil tem tudo para desenvolver as melhores experiências com o XO na sala de aula", afirma Cavallo. Agora, é só torcer.

Fonte: Nova Escola